
A
“Anatomia” tem os seus primeiros relatos deste o início da civilização,
a partir do instante em que o homem passa observar em outro homem e em
outros animais, as várias regiões do corpo das quais eram constituídos
(Tavares, 1999; Silvino, 2001). Ao contrário do que muitos pensam, a
Anatomia não é uma ciência morta, muito menos de apenas cadáveres.
Anatomia, além de não ser uma ciência morta, é essencial para o
conhecimento, pois é através dela que os profissionais da área da saúde
adquirem conhecimentos dissecando ou observando o corpo humano (Chevrel,
2003).
A ciência “Anatomia” começou nos primórdios da história
humana. O homem pré-histórico já observava à sua volta a existência de
seres diferentes de seu corpo, os animais. Com isso, passou a gravar nas
paredes das cavernas e fazer esculturas das formas que via. Com isso
passou a notar detalhes, que hoje nos permite identificar as espécies
animais descritas (Silvino, 2001). Estas representações indicam não
somente que a pintura pré-histórica nasceu há muito tempo, mas que se
desenvolveu em ritmo rápido e atingiu admirável grau de satisfação
(Knapp, 2004).
Segundo Valladas et al (2004), a arte do Homo
sapiens era bastante elaborada, tanto em termos de realismo quanto de
traços artísticos, é o que revela os animais desenhados nas grutas, os
quais tem aparência bastante realista.
Da
simples observação, passou-se a prática da dissecação, o que levou a
anatomia a se firmar como princípio fundamental da prática na “área da
saúde” (Erhart, 1976; Alberts, 1997). Segundo Moore (1990) “A anatomia é
uma antiga ciência médica básica”.
Na verdade, torna-se
impossível distinguir a história da Anatomia Humana e da Medicina visto
que estas áreas cresceram e se desenvolveram em "parceria" durante
séculos (Oliveira, 1981).
A partir do ano 150 a. C. a dissecação
humana foi proibida por razões éticas e religiosas (Petrucelli, 1997).
Parece que o estudo da anatomia humana, segundo Petrucelli (1997) e
Wecker (2002), recomeçou mais por razões práticas que intelectuais, e o
motivo mais importante para a dissecação humana, foi o desejo de saber a
causa da morte por razões essencialmente médico-legais, de averiguar o
que havia matado uma pessoa importante ou elucidar a natureza da peste
ou outra enfermidade infecciosa.
A anatomia da Grécia teve sua
origem no Egito (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo,
1989; Moore, 1990; Singer, 1996). Durante o milênio que antecedeu à
Cristo, o centro da civilização transferiu-se do Egito para o cenário
temperado do mundo grego, onde nasceram os conceitos de medicina
racional e de ética médica como parte integrante de uma busca do homem
pela verdade objetiva (Melo, 1989; Noronha, 1998).
A história do
uso do cadáver humano retrata que o meio mais antigo, de que se tem
conhecimento, para conservação de cadáveres, é a mumificação ou
embalsamento (Chagas, 2001). Segundo Melo (1989), este método era
praticado pelos egípcios com finalidade religiosa e não para preparar
cadáveres desconhecidos. Acreditava-se que os mortos continuariam vivos
no túmulo, porém era uma graça concedida apenas aos nobres e reis, como
pode ser observado pela cabeça mumificada do Faraó Ramses V. No Egito
dos Faraós, a mais de 5.000 anos, desenvolveu-se esta técnica de
embalsamento, permitindo os primeiros estudos anatômicos das doenças.

Os
primeiros cientistas Anatomistas e Médicos foram os egípcios. Após
vieram os Mesopotâmios (Melo, 1989). A importância do médico que cuidava
dos animais era tão grande para os Mesopotâmios, que o exercício da
atividade ganhou destaque até no "código de Hamurabi". Essa importância
era devida aos cavalos, pois estes eram: o meio de transporte, máquina
de guerra e moeda de escambo (Chagas, 2001).
Foram os gregos que
denotaram um maior avanço no estudo da anatomia. A história grega conta
que todo guerreiro era hábil em extrair uma ponta de flecha. Os médicos
guerreiros conheciam ossos, juntas, músculos e tendões do corpo (Melo,
1989). O cadáver humano não era violado, por questões religiosas e leis
oficiais estabelecidas (Chagas, 2001).
Foi Alcameon de Croton
(500 a.C.) que forneceu os mais antigos registros de observações
anatômicas reais, fazendo dissecação em animais (Gray, 1977; Gardner,
Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; Petrucelli, 1997; Soares, 1999) e o
seu tratado sobre a natureza tornou-se um texto médico fundamental
(Melo, 1989).
Na Grécia, Hipócrates de Cós, criou a célebre
"Teoria Humoral da Enfermidade", com base na aparência externa do
indivíduo e correlacionando causas e efeitos, ainda que empiricamente
(Melo, 1989). Considerado um dos fundadores da ciência anatômica (Gray,
1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Moore, 1990), e a ele são
atribuídos 72 textos e num destes afirmou que “A Natureza do corpo é o
início da Ciência Médica” (Melo, 1989; Moore, 1990).
Os
“Ensinamentos e Juramento” de Hipócrates deram partida aos códigos moral
e ético da prática profissional, e o mundo grego conheceu uma nova
imagem do médico, agora sendo um homem simples, humano, real (Melo
1989).
Nessa mesma Roma antiga, viveu Cornelius Celsus, que
descreveu os 4 sinais cardeais da inflamação: vermelhidão, inchaço,
calor e dor ["Signa inflammationis quatror sunt: Rubor et Tumor, cum
Calor et Dolor"], redescobertos em 1443 pelo Papa Nicolas V (Melo,
1989). Escreveu a primeira história médica organizada, traçando sua
evolução através da Medicina hipocrática e Alexandrina (Chagas, 2001).
A anatomia humana de superfície foi estudada em obras de arte da Grécia desde o século V a.C. De
Anatomia (da coleção hipocrática, meados do século IV a.C.) é talvez o
mais antigo tratado de anatomia e do Coração é a mais antiga obra
anatômica completa (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978).
Setenta e
dois anos depois de Hipócrates, surge Aristóteles, o qual adotava o
coração como centro das emoções (Cole, 1944; Gray, 1977; Gardner, Gray e
O’Rahilly, 1978). Aristóteles (384-322 a.C.), foi o fundador da
anatomia comparativa, sendo o mais famoso dos discípulos de Platô,
também não usou cadáveres humanos, concentrando seus estudos de
dissecação nos vertebrados (Moore, 1990; Singer, 1996; Chagas, 2001).
Quase
meio século depois de Aristóteles, surgiu o primeiro homem a ousar
dissecar o cadáver humano, apesar de todos os perigos e preconceitos
existentes na época (Chagas, 2001). Foi Herófilo da Calcedônia
concretizando o desejo de muitos anatomistas ao dissecar o corpo humano,
e assim, desenvolveu um esquema de distribuição, formato e tamanho dos
órgãos: descreveu o fígado, o cérebro, os órgãos sexuais. Através dos
seus estudos pioneiros nascia a Medicina (Gardner, Gray e O’Rahilly,
1978; Petrucelli, 1997, Soares, 1999).
Já Erasístrato de Quios
(290 a.C.) colaborador de Herófilo também dissecou cadáveres humanos e
formou a Escola de Alexandria, a qual deu, a partir dali, impulso às
ciências anatômicas (Chagas, 2001).
Segundo Gardner, Gray e
O’Rahilly (1978), Mondino de Luzzi (1276-1326), o “restaurador da
anatomia”, fez voltar, de forma inovadora, o hábito de dissecar
cadáveres humanos, adotado por Herófilo e Erasístrato, dando porém mais
ênfase à prática anatômica universitária. Realizou dissecações públicas
em Bolonha em 1315 e escreveu sua Anatomia em 1316. Nesta época de
Mondino, era comum as aulas práticas de anatomia acontecerem na casa do
próprio professor (Noronha, 1998). Surgia a fase da real importância do
cadáver desconhecido, não só para o estudo da anatomia, como também
posteriormente, pré-requisito para a cirurgia (Chagas, 2001).
Depois
de Mondino, o uso de cadáver na prática da anatomia teve um retrocesso,
com o surgimento de Galeno de Pérgamo, que demonstrou e escreveu sobre
anatomia sem ter dissecado um só cadáver humano (Gray, 1977; Gardner,
Gray e O’Rahilly, 1978; Chagas, 2001). Galeno teve reconhecimento na
Roma Imperial, em relação à prática médica, que percebeu a ação do
cérebro sobre todas as manifestações físicas dos doentes romanos (Melo,
1989; Noronha, 1998). A religião grega era mais hostil e dominante do
que a religião egípicia, no que se refere a qualquer interferência
quanto ao uso dos corpos dos mortos. “As leis romanas impediam o uso de
cadáveres humanos para estudos” (Chagas, 2001).
Mas um dos
pontos fracos do ensino de Galeno foi frustar o desenvolvimento da
Medicina por séculos. O conteúdo teológico de suas idéias era bastante
aceitável para a crescente teologia da fé cristã, objetá-las tornou-se,
com o tempo, uma séria ofensa (Melo, 1989).
Galeno, efetuou
estudos fisiológicos em cães, porcos, cavalos, aves, macacos e fez
alusão ao ser humano, cometendo desta maneira, grandes erros,
descobertos depois por anatomistas de outras épocas (Petrucelli, 1997;
Soares, 1999; História da medicina, 2003). Suas descobertas foram ainda
utilizadas por 1400 anos (Melo, 1989). Os estudos provenientes nessa
época e nas seguintes, dependiam da autorização expressa do rei, ou
corria-se o risco de ser preso e condenado (Chagas, 2001).
Em
1315, Frederico II imperador da Alemanha e das Sicílias tornou
obrigatório para os cirurgiões o estudo da anatomia em cadáveres
humanos, (o conhecimento da anatomia humana é o primeiro requisito para
cirurgia) e a partir daí foram fundados cursos de anatomia nas
Universidades da Itália, França e toda Europa, posteriormente (Silvino,
2001). Porém existem provas de que as dissecações começaram na Itália
antes de 1240. Em 1275, o italiano Guglielmo Saliceto lança “Chirurgia”,
é o primeiro registro de dissecação de um cadáver humano (Gray, 1977;
Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989).
Meio às
dificuldades, clandestinidade e resistência das classes cléricas e
governamentais, um fato importante e histórico acontecia em 1376, quando
o Duque Anjou autorizou a dissecação pública e anual de um cadáver, o
que constituiu-se num importante avanço para o estudo da anatomia
(Chagas, 2001).
Na Idade Média o curso da Anatomia modificou-se
quando um artista italiano, tentando esculpir um crucifixo para uma
igreja, obteve do prior a permissão para esfolar um cadáver para
verificação de seus músculos. Nascia a Anatomia como arte (Melo, 1989).
O
Renascimento chegava em boa hora para o bem e progresso da humanidade,
pois foi um movimento de renovação de valores, pagando todos os preços
que tinha direito, pois o espírito liberal rompia as barreiras do culto
cego das autoridades e, aos poucos, ganhava espaço em nome da razão e
evolução dos tempos (Chagas, 2001).
A anatomia foi estudada por
artistas como, por exemplo, Leonardo da Vinci, que contribuiu muito para
a anatomia (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989). Estudando com
finalidade de buscar a perfeição em suas formas artísticas, acabou por
contribuir com a descrição de partes do corpo (Petrucelli, 1997). Ele
acreditava que a verdade anatômica na arte só poderia ser atingida na
mesa de dissecação (Melo, 1989).
As proporções do corpo humano
não foram simplesmente medidas e cálculos, mas um conhecimento exato do
corpo, sendo o primeiro a se dedicar de maneira sistemática a analisar a
anatomia e as proporções do corpo humano e dos animais (Friedenthal,
1990).
Os desenhos de Da Vinci evidenciam, não só a arte, mas
também um profundo conhecimento anatômico, mostrando não apenas anatomia
de superfície, mas grupos musculares perfeitos, como os músculos do
dorso e membros superiores vistos na figura 19 (Petrucelli, 1997;
Tavares, 1999).
A
osteologia também teve uma atenção toda especial nas dissecações de Da
Vinci, como pode ser observado no livro “O Pensamento Vivo” de Da Vinci”
(Claret, 1985). A comparação de imagens obtidas nos modernos aparelhos
de tomografia computadorizada com seus desenhos sobre a anatomia oferece
uma espécie de revelação: Leonardo acertou com exatidão espantosa, por
exemplo, detalhes sobre a posição do feto no interior do útero
antecipando imagens modernas (Teixeira, 2004).
Da Vinci é a maior
prova de que a arte e ciência caminham juntas de mãos dadas e, na
anatomia, o cadáver foi esse elo (Singer, 1996). Segundo Freud, apud
Teixeira (2004), “Leonardo da Vinci acordou do sono da Idade Média antes
dos outros homens”.
A força e o dinamismo desmedidos do corpo
humano atingiram seu ápice com Michelangelo Buonarotti (Melo, 1989). Ele
passou pelo menos vinte anos adquirindo conhecimentos anatômicos
através das dissecações que praticava pessoalmente, sobretudo no
convento de Santo Espírito de Florença (Petrucelli, 1997; Wecker, 2002).
Michelangelo também estudou o corpo humano a fundo, e para isso,
dissecou e desenhou até que a figura deixasse de ter quaisquer segredos
(Gombrich, 1978). Usava modelos vivos para capturar a realidade, sendo
retratado em obras como: David uma obra-prima de anatomia; a escultura
de Moisés concluída em 1516, traz a estrutura de um ombro dissecado na
perna do patriarca bíblico e as imagens do teto da Capela Sistina, que
são imensas mas anatomicamente corretas, (Melo, 1989; Meshberger, 1991;
Sala, 1995; Teixeira, 2004; Giron, 2004).
Apesar de todo o
progresso em relação aos estudos da anatomia humana, a dissecação de
cadáveres humanos não só era proibida pela Igreja e autoridades
governamentais, como era também punido quem fosse apanhado dissecando.
Mas a ciência não podia parar e, movidos pelo ímpeto e desejo de
aprender e desmistificar o proibido em prol da ciência, os anatomistas
não se davam por vencidos (Chagas, 2001). E, enquanto a autorização não
chegava, eles insistiam em dissecar os cadáveres às escondidas,
normalmente em calabouços ou subterrâneos devidamente escolhidos para
este fim.
No passado apenas os cadáveres de criminosos e
assassinos enforcados eram usados nas dissecações. Isto gerou um grave
problema que era a quantidade insuficiente de cadáveres para estudo,
resultando com isto o aparecimento dos chamados “ressucitadores” que
eram pessoas que supriam, com cadáveres roubados, os famosos médicos e
anatomistas da época (Melo, 1989; Chagas, 2001).
A anatomia foi
totalmente reformada por Andreas Vesalius, em seu livro “De humani
corporis fabrica” (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; História
da Medicina, 2003; Vesalius, 2003). De acordo com Petry (2000) e
Silvino (2001) nesta época a anatomia deu um grande passo para
conquistar definitivamente o seu papel fundamental como “Ciência
Básica”. Finalmente o cadáver desconhecido não só seria conhecido do
público, como a partir dessa época passaria a ser, depois do professor, a
figura mais importante no ensino da anatomia, sem esquecer do corpo
discente (Chagas, 2001).
Vesalius
em vez de apoiar-se em aparências, preferiu pesquisar todas as partes
do corpo, corrigindo muitos erros cometidos por outros estudiosos
anteriores a ele (DiDio, 2000; Vesalius, 2003; Teixeira, Galvão, Steiger
et al, 2004). Segundo Melo (1989), Vesalius descobriu que várias das
descrições de Galeno não estavam de acordo com os fatos observados. As
dissecações públicas de Vesalius, demonstradas através de seu livro De Humani Corporis Fabrica
comprovam que ele estabeleceu definitivamente o método correto de
dissecação anatômica. As poses dos corpos dissecados lembram mais a vida
que a morte, em alguns casos, o pano de fundo retrata paisagens
naturais ou cidades italianas. Já a figura 30, retrata uma das pranchas
de seu livro, a qual descreve todos os músculos superficiais do corpo. A
postura do cadáver, sugeriu a posição anatômica, hoje padronizada, para
o ensino de anatomia humana em todo mundo (Saunders, 1956; Chagas,
2001; Teixeira, Galvão, Steiger et al, 2004)...”
Fonte:CARLA DE ALCÂNTARA FERREIRA QUEIROZ: “O USO DE CADÁVERES HUMANOS COMO INSTRUMENTO NA CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO A PARTIR DE UMA VISÃO BIOÉTICA”.
(Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Ciências Ambientais e Saúde, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
da Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Ciências Ambientais e Saúde. Orientador: Prof.
Dr. José Nicolau Heck). Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2005.
Texto publicado no Blog Iba Mendes Pesquisa: Disponível em => http://www.ibamendes.com/2011/01/um-pouco-da-historia-da-anatomia.html
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